Marx em "Manuscritos econômico-filosóficos"

fermento feminista
5 min readApr 17, 2020

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Em 1844, quando tinhas apenas 26 anos, Karl Marx publicou a obra que viria a ser considerada por muitos estudiosos a base da crítica filosófica da economia política e que, mais tarde, seria aprofundada e refinada em O Capital, a grande obra-prima marxista. A obra em questão são os Manuscritos Econômico-Filosóficos. Nela, o jovem Marx faz uma crítica à economia nacional, representada por pensadores como Adam Smith, David Ricardo e Jean Baptiste Say, e esboça conceitos como mais-valor, que será amadurecido em seus trabalhos posteriores.

Ao abordar seus manuscritos, meu intuito é jogar luz sobre alguns conceitos-chave da obra que, 176 anos depois, ainda ecoam em relações dominadas e guiadas pelo pensamento neoliberal. O momento é oportuno tendo em vista a crise econômica e social decorrente da pandemia gerada pelo coronavírus. Interpretada por alguns como possível resultado das ações do homem sobre a natureza, uma coisa é certa: seus movimentos têm exposto as fraquezas e contradições de um sistema erguido sob a lógica individualista de acumulação do capital, cuja dinâmica global amarra as nações capitalistas, umas mais e outras menos, no mesmo barco furado.

Partindo, então, da crítica aos pensadores liberais de sua época, Marx vai se debruçar sobre a relação degradante que o capital impõe aos trabalhadores. Mas, antes de entrar nas condições trabalhistas, é importante entender do que se trata o capital, que não deve ser compreendido como sinônimo de salário, remuneração oriunda do trabalho. O capital a que Marx se refere é o trabalho armazenado pelo capitalista, aquele que detém a propriedade privada dos produtos do trabalho alheio. Em outras palavras, o capital é tudo aquilo que é produzido pelo trabalhador e que pertence ao dono daquela empresa, daquela propriedade. Sendo o capitalista proprietário desse capital, isto é, do trabalho alheio e da produção resultante, é também dele o poder de compra que esse capital oferece.

Uma vez que aqueles que detêm os meios de produção detêm o poder sobre o trabalho, Marx vai chamar atenção para o fato de que o trabalhador, assim como uma mercadoria, fica sob as leis de demanda e oferta que direcionam o mercado. Portanto, é a disposição e a vontade dos capitalistas que vai determinar quem é trabalhador ou não, dado que, para se identificar como um, é preciso que haja a demanda por essa força de trabalho. Nesse sentido, Marx vai apontar que, primeiro, o trabalhador precisa batalhar para ter os meios para exercer sua atividade, um emprego, para depois correr atrás dos meios de vida que possibilitam a manutenção de sua vida — alimentação, moradia, saúde etc.

Com relação ao salário que o trabalhador recebe como contrapartida à venda de sua força de trabalho, Marx conclui que o proprietário paga ao trabalhador o valor necessário para a manutenção da sua vida, ou seja, apenas o suficiente para que ele possa voltar a cada dia e continuar produzindo valor. O salário é, como Marx vai definir, a forma do capitalista garantir a existência da “raça dos trabalhadores”. Nesse ponto, Marx faz uma analogia com as necessidades de um cavalo, que devem ser supridas a fim de que ele cumpra suas funções. Assim, tratando-o como um animal, o capitalista não considera o homem em seu tempo livre, de forma que a educação superior, a cultura e as viagens ficam restritas àqueles que têm o poder de compra propiciado pelo capital.

Um dos desdobramentos do modo de produção capitalista analisado por Marx é o processo de alienação, ou estranhamento, do trabalhador. Nesse processo, a função primordial do trabalho de transformar a natureza e desenvolver as potencialidades humanas é esvaziada, de forma que a atividade desempenhada pelo trabalhador ganha sentido unilateral, servindo unicamente como seu meio de sobrevivência.

E à medida em que o capitalista e, portanto, o pensamento hegemônico, passa a valorizar mais o mundo das coisas, da sua fonte de riqueza, desvaloriza, na mesma proporção, o mundo dos homens, dos trabalhadores. Dessa forma, o produto que é gerado por um trabalhador, que empenha suas capacidades e tempo de vida naquela atividade, ganha um status superior ao do seu produtor. É a ideia de que o lucro está acima da vida. Como resultado, ocorre o estranhamento do trabalhador em relação ao objeto e a ele mesmo, que não se sente feliz e realizado na produção de algo que não lhe pertence e é mais valorizado que sua humanidade.

Frente a esse sentimento de tristeza decorrente da alienação, fica claro para Marx que o trabalho, sob o modo de produção capitalista, é um meio forçado a qual os trabalhadores devem se submeter para garantir sua sobrevivência. Seu caráter de obrigatoriedade fica evidente dado que, caso não haja coerção física ou outra, o trabalhador vai fugir dele como se fosse uma “peste”. Além disso, os únicos momentos em que o trabalhador se sente livre e ativo é quando está desempenhando funções animais como beber, comer e procriar. Assim, “em suas funções humanas ele só se sente como um animal”.

Ainda sobre o estranhamento do trabalhador, Marx vai afirmar que o trabalho e o produto desse homem trabalhador pertence a outro homem, a quem ele chama de não-trabalhador. Se o capital consiste na propriedade privada sobre o produto alheio, então o não-trabalhador a quem Marx se refere é o capitalista. Sendo assim, a propriedade privada é considerada a expressão material do trabalho exteriorizado, já que a sua existência é responsável pela alienação do trabalhador.

Partindo do princípio de que o trabalho alheio está na essência da propriedade privada, Marx vai defender que a emancipação do trabalhador e o retorno dele a si está ligada à superação da propriedade privada, uma vez que é em consequência dela que ele vende sua humanidade em troca dos meios necessários à sua sobrevivência, tendo seu status rebaixado ao de uma mercadoria. Para tal, ele conclui que o fim do modo de produção capitalista e, portanto, da propriedade privada, depende de uma “ação comunista efetiva”. O comunismo marcaria, então, o retorno do homem à sua essência humana e o fim da sociedade de classes, já que elas não mais existiriam.

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